segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Perdas e crescimento

Ultimamente tenho me posto a pensar sobre as perdas que sofremos na vida, perdas dos mais variados tipos: perdas de amor, perdas de amizade, perdas de presenças, perdas por morte, perdas financeiras, perdas psicológicas, etc. Assim, me vem um pensamento recorrente: o que tais perdas nos dizem e com quais efeitos?!

Evito pensar num propósito para tais perdas, afinal temos a mania, já incubada em nossa psiquê, de sempre buscarmos por significância em tudo aquilo ao nosso redor. Mas, como bom agnóstico, deve permitir-me o flerte com o maior leque de possibilidades que puder enxergar, seja de forma lógica ou "intuitiva". Haveria um propósito "maior" para as perdas que sofremos? Se sim, qual? Se não, o que elas representam para nós no plano mais físico, em nossas vidas?


Talvez tenha intensificado esses pensamentos devido a algumas perdas recentes, de tipos e graus variados, talvez pela leitura do excelente livro de Aldous Huxley, intitulado "Island" (A Ilha). Nesse livro, o personagem principal, um típico Inglês, encontra-se náufrago na ilha de Pala, que cultiva um estilo de vida interessantíssimo, totalmente oposto ao modo ocidental de viver, mesmo diferente aos próprios modelos orientais tradicionais. Em Pala, os cidadãos, desde pequenos, aprendem a cuidar, simultaneamente, de corpo e mente, utilizando-se de tecnologia moderna ocidental, filosofia budista, e um apreço admirável pela boa forma de viver. A própria dor, seja física ou emocional, é tratada de forma bastante peculiar na fabulosa ilha.

Noutro plano, pensando pelo lado do espiritismo, mesmo de outras religiões teístas, lembro-me de uma frase, geralmente utilizada sobre aqueles que aceitam determinado credo, que diz que os indivíduos buscam a espiritualidade "seja através do amor, ou através da dor". Assim, a dor seria uma forma de nos fazer crescer, assim como o amor.

Mas, não sou um ser espiritualizado, ou talvez o seja, em partes, assim busco algum entendimento mais dudutível, mesmo que intuitivamente (não confundir com a visão "esotérica" de intuição), para o tal fenômeno da perda, ou, de certa forma, da dor. Enfim, vejamos o que conseguimos com um pouco de raciocínio lógico.

A dor física serve para advertir-nos de que algo está errado em nosso corpo. Essa reação de dor faz com que nos afastemos daquilo que nos causa dor, ou força-nos a buscar auxílio quando a dor já está instalada em nosso organismo. Através dessa dor, mesmo que lentamente, aprendemos a evitar aquilo que nos causou tal desagradável sentimento (com exceção dos masoquistas, claro, que são um caso à parte, para outra análise). Esse mecanismo de defesa aplica-se tanto ás dores físicas quanto às emocionais/psicológicas, embora os processos de salvaguarda psico-emotivos sejam um tanto mais complexos do que as reações físicas.

Assim, a dor nos traz conhecimento sobre aquilo que nos faz mal, consequentemente ensinando-nos a evitar tais elementos, o que nos mostra determinada forma de melhor viver. Ao contrário, os sentimentos de prazer nos mostram, em boa parte dos casos, aquilo que nos faz bem, o que faz com que busquemos tais elementos. Então, de certo modo, a dor funciona como mecanismo de defesa, o prazer funciona como processo motor que nos impulsiona à busca de "objetos" positivos e favoráveis.

Portanto, a dor é algo que nos ensina, mesmo que através do desagradável, lições importante sobre o viver. O grande fator de aproveitamento de tais ensinamentos, no entanto, seria a forma com que cada um encara sua dor. Alguns fecham os olhos para algumas dessas lições, enxergando tão somente o interior de si mesmos, ou seja, enxergam a dor apenas do ponto de vista do sofrimento que lhes traz, sem observar o mundo e incorporar o aprendizado proporcionado.

A dor, assim como as perdas, ou a dor das perdas, são elementos relativamente positivos em nossas vidas por serem guias de crescimento em conhecimento sobre nós mesmos, sobre o mundo ao nosso redor, sobre a relação entre todas as coisas que nos cercam, nós inclusos nessas relações.

Claro, fica praticamente evidente que o grande obstáculo ao aproveitamento desse conhecimento de fonte específica tem origem na complexidade psíquica do ser, nesse caso, o ser humano. As dores psico-emotivas são as de mais difícil aprendizado, pois a grande maioria não sabe lidar com tais dores, pois são intangíveis. Diferente da dor física, como, por exemplo, quando nos queimamos com fogo, facilmente identificamos o fator causador de tal dor, passando a evitá-lo. Já nos caso das dores e perdas abstratas, emocionais, a identificação do agente causador de desconforto nem sempre é fácil, pois pode ser intrínseco ou extrínseco ao ser, e de morfologia bastante complexa.

Enfim, apenas pensamentos que me têm ocupado a mente, sendo o presente texto um mero reflexo da superfície do alcance e profundidade que tais pensamentos que se desenvolvem na mente desse HiperCog inquieto.

1 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito do texto, mas não concordo com o trecho em que você diz que o prazer funciona como um “motor” para que busquemos coisas positivas e favoráveis. A busca de prazer está associada à tentativa de aliviar a tensão psíquica que é intrínseca à nossa existência. Em termos freudianos, nosso malfadado aparelho psíquico é compelido à descarga constante de tensão acumulada. De modo sucinto (e um tanto grosseiro), trata-se da seguinte equação: aumento de tensão= desprazer; descarga ou diminuição de tensão=prazer.
A nossa sociedade, sob a égide do estímulo inveterado ao consumo, domina muito bem essa equação, e oferece uma avalanche de objetos capazes de causar uma descarga momentânea de tensão (enquanto vivermos, ficaremos tensos novamente e consumiremos novos objetos capazes de abafar parcialmente a tensão).
Agora, aí é que está o x da questão: qual objeto atual é capaz de produzir um nível de prazer e satisfação que outros objetos de consumo só de longe são capazes de oferecer? Qual o objeto é capaz de conduzir seu consumidor a um quase zero de excitação (ou nirvana)? Aí que aparece a toxicomania como típico fenômeno pós-moderno. Citando o psicanalista Charles Melman, o ideal de nossa sociedade é realizado pelo toxicômano à medida que ele consome um objeto do qual ninguém é capaz de prescindir; o “sonho de todo publicitário”.... E daí o porquê de eu discordar em parte do seu texto: é lugar comum que drogas fazem mal e matam, certo? Sim, mas elas causam prazer, e são desesperadamente procuradas justamente por isso. E é aí que aparece o caráter contraditório de nossa sociedade, que estimula o hedonismo consumista mas relega o usuário de drogas à categoria dos leprosos no século passado, internando-os compulsivamente ou depositando-os nas cracolândias da vida...

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