sábado, 17 de março de 2012

Ênio, suas 3 almas...e a linguagem.

Ênio (ou, no original em latim, Quintus Ennius) nasceu em 239 AC, numa pequena cidade da região da Magna Grécia, chamada Rudiae, sendo trilíngue e, assim, falava igualmente o latim, o grego e o osco. Escritor e dramaturgo, muitas vezes considerado o pai da poesia romana, ele costumava dizer que tinha três almas (ou três corações, no que teria sido o equivalente no latim da época), já que falava os tais três idiomas com similar fluência.

Bom, mas e o que tem a ver falar 3 idiomas diferentes com possuir 3 almas distintas? Uma pessoa não teria apenas uma alma única, indissolúvel, etc.?! Para responder essa pergunta, temos de entender direito o que Ênio quis dizer com isso. E a chave está naquilo que um idioma representa.

De acordo com a Linguística, um idioma é o "reflexo da cultura de um povo". Ou seja, um idioma incorpora os elementos essenciais da cultura daquele povo que o fala nativamente, e a história desse povo e a da formação de tal idioma se misturam e se confundem. O falar de um povo é o modo com que esse consegue expressar suas idéias, seus pontos de vista, sua visão de mundo. A identidade de um povo está ligada intrinsecamente à língua falada por ele, com suas expressões características, sua forma de organizar idéias, opiniões, e assim por diante.

É razoável pensar que um povo que mostre ser prático, direto e relativamente impessoal expresse suas idéias de forma semelhante através de um idioma com similares características. E um povo caloroso, extrovertido, com riqueza de detalhes em seu ambiente teria um idioma que refletisse as mesmas características, ou seja, uma linguagem detalhista, com expressões emotivas e muito sociais.

Assim, o que Ênio queria dizer era que, ao adquirir às competências de fluência equivalentes em 3 diferentes idiomas, ele incorporava, para cada idioma, as características da cultura de cada povo em que dado idioma era falado. Dessa forma, tendo 3 identidades culturais diferentes, ele teria 3 expressões diferentes de comportamento, de visão de mundo, de exposição de opiniões, pensamentos e idéias.

Por isso, falar um idioma é muito mais do que apenas conhecer os vocábulos e estruturas funcionais ligadas a esse. Falar um idioma, ao menos fluentemente, significa incorporar os elementos essenciais da cultura de onde tal idioma vem, com seu jeito de se expressar, de se comportar, de enxergar o Universo ao seu redor, e assim por diante.

Ao estudar um idioma novo, a pessoa que o faz, caso deseje obter o maior grau de fluência e proficiência que puder, terá também de observar os aspectos extra-linguísticos, ou seja, os aspectos humanos que vêm desse idioma, junto com a cultura atrelada a ele. Deve-se buscar o nascimento e desenvolvimento, em si, de uma nova alma, uma nova identidade, uma nova cultura.

Frequentemente, pessoas fluentes num segundo idioma, além de seu idioma nativo, relatam a experiência de comportar-se de outra maneira quando se expressam nesse outro idioma, como se fossem uma pessoa quase que diferente daquela que são ao falarem seu idioma nativo. Claro, há aspectos psicológicos envolvidos na equação também, mas é inegável a questão da aquisição desse novo modo de pensar, especialmente quando o esforço de comunicar-se o mais "perfeitamente possível" nessa segunda (ou terceira, e etc.) é realizado.

A própria forma de pronunciar adequadamente, com maior grau de precisão alcançável, o idioma alvo já faz parte desse processo de incorporação cultural a que me refiro. Ao buscar falar exatamente como um japonês nativo, procuramos mimetizar os trejeitos e expressões globais realizadas pelo nativo durante a comunicação, por exemplo. As pausas, as tônicas, a entonação, o ritmo...tudo isso (e mais) trabalha em conjunto para a realização da comunicação através de tal linguagem específica, e grande parte disso vem da história e da cultura de tal povo que nativamente fala tal língua.

Portanto, ao nos comunicarmos fluentemente em algum idioma, acabamos por incorporar a alma desse, tendo uma "alma" diferente, além da nossa alma nativa. Claro que, aqui, tomamos por alma não um elemento etéreo, místico ou extra-físico. Alma, nesse caso, está ligado à questão da identidade pessoal, das formas de expressarmos aquilo que somos, de nosso comportamento nas interações sociais e mesmo na forma de pensarmos intimamente.

Vale a pena pensar com mais cuidado sobre o assunto e buscar enxergar essa "diferente" realidade arraigada na temática da linguagem.

Um outro texto que encontrei na web, também discorrendo sobre o tópico, pode ser encontrado através do seguinte link: 

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